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PAGANDO MICO NO CONDOMÍNIO

       Em meio à vida agitada das grandes metrópoles, as indefinições do tráfego, o medo da violência, o isolamento e a busca intrínseca pelo natural geram forças que desperta nas pessoas o desejo de viver num lugar mais silencioso, com menos problemas. A opção de viver em um “condomínio fechado” parece atender completamente, pois conscientemente ou inconscientemente, o que as pessoas desejam é refugiar-se de todos os problemas provenientes da vida urbana.

          No entanto, admitir o adjetivo “fechado” para condomínios é um grave equívoco, da mesma forma que  implantar um projeto de translocação sem antes refletir o que realmente o grupo familiar está buscando é um sério risco. A presença de uma portaria não impede o surgimento dos problemas que são gerados pela dificuldade das pessoas em se relacionarem. Os problemas não estão apenas do lado de fora...

            Baseando-me nesses princípios, na experiência da vinda da minha família para Lagoa Santa e na minha formação de educador ambiental, resolvi apontar as contradições que todos nós, atuais e futuros condôminos cometemos diante desse complexo conceito de qualidade de vida. Do meu ponto de vista, consigo perceber as contradições no nosso modo de vida, vida de quem um dia desejou dormir com o cantar dos grilos e despertar com o cantar dos pássaros. A essas contradições eu estou chamando de pagar mico nos condomínios.

              O primeiro mico está na ocupação inicial do lote. É muito comum vermos a entrada do trator derrubando as árvores nativas e nivelando o terreno. Se perguntarmos ao proprietário o que está acontecendo, provavelmente ele dirá que está limpando o lote. Ora, nunca ouvi dizer que jacarandás, ipês e pequis, e toda fauna que os acompanha estejam sujando o cerrado.  Cobrimos o terreno com a grama, e o concreto contornando a casa ocupa praticamente todo o lote. Que diferença que faz o pequi, o jacarandá e o ipê? Muita!!!! São indicadores de inaptidão para viver uma vida a qual ainda não se está preparado para viver.  Depois de ter construído a nossa casa, eu e minha esposa chegamos à conclusão que olhamos muito para os lados acompanhando tendências. Poderíamos ter olhado mais para nós mesmos procurando essências.

             É evidente que para os futuros condôminos que residem em apartamentos, qualquer  espaço verde é um grande avanço. O problema é o passado que insiste em condicionar nossos hábitos, a cultura do complexo que exige consumo. E assim os nossos micos vão se acumulando. Sem muito espaço e alternativas no jardim, as pessoas acabam ocupando os espaços físicos da casa. Sem percebermos o lar transborda em tecnologia: cada quarto uma tv, home theater, jogos e jogos eletrônicos, tudo isso consumindo muita energia elétrica, a água de nossos rios, cachoeiras, contribuindo para a ocorrência de enchentes.  Sendo famílias que sonharam em viver mais integradas à natureza, pergunta-se: Onde está a preocupação com os recursos naturais? No lugar dela... o mico, feliz, acenando para todos que passam. O condômino que possivelmente trabalhou ou estudou o dia todo na grande metrópole, corre o risco de  chegar em casa para fazer as mesmas coisas que fazia no edifício mais central de um bairro da cidade.

              Os filhos que, na maioria das vezes não participaram da decisão da mudança, cobram um preço alto para acompanhar seus pais na nova vida e todos acabam pagando o mico. Juntamente com a tecnologia vem as festas barulhentas que, frequentemente só se interrompem com o contato do síndico ou a chegada da autoridade policial.  Os veículos trafegam em velocidade superior ao limite regulamentado, colocando em risco as crianças que brincam com liberdade nas ruas. Em BH, os pais aguardam o retorno de seus filhos, angustiados, pois muitos sabem dirigir, mas ignoram a lei seca, em defesa da vida. Desta feita, podemos dizer que também é pagar mico entrar na mg-10  e “sair” no mg-tv.

              Há também o mico de verdade! Esse mesmo, o macaquinho que vive com seus iguais se equilibrando nos fios, já que os raros troncos de árvores há muito tempo deixou de ser um caminho. Quando se aproximam das pessoas causam um grande alvoroço. No início um pedaço de banana, depois um biscoitinho, um pedaço de chocolate. - “Quer ver, mamãe, como ele pega o salgadinho na minha mão?”  Todos acham lindo! Como é bom viver na natureza!E assim vão se domesticando o infeliz e todo o seu bando. Até que um dia eles acabam se rebelando, invadem as cozinhas com agressividade e causam desgosto e aborrecimento.  -“Esse bicho é perigoso menina! Se quiser brincar com bicho, pegue o pássaro-preto que está na gaiola”. Manter pássaros silvestres cativos em casa de campo não é mico - é orangotango.

                Assim nos tornamos cada dia mais parte da “Grande BH”! Certamente, enquanto lia este texto, o(a) leitor(a) relacionou muitos outros “micos”. Eu mesmo não comentei todos que já identifiquei no meu estilo de vida. Mas nessa poucas palavras acredito termos reunido alguns elementos necessários à reflexão.  Cada dia me convenço mais que a simplicidade e a naturalidade não se alcançam com mudanças externas, mas com aproveitamento de experiências que modificam a nossa concepção de vida. Para isso a vida em condomínios é um ótimo exercício.

Vinícius Trindade Lopes de Moura

Biólogo e Educador Ambiental

 

PAGANDO mais MICO NO CONDOMÍNIO

 

       Na conclusão do artigo “Pagando mico nos condomínios” ressaltei que ainda haviam muitos “micos” notáveis no modo de vida de quem reside em algum condomínio “fechado”, em Lagoa Santa. Em resposta ao primeiro texto, muitas pessoas se manifestaram expressando um misto de alívio e prazer por alguém como eu, por vez desconhecido, revelar algo de sua aparente e insuspeitável intimidade. É sem dúvida, um atenuante, saber que nossos equívocos são compartilhados por outras pessoas. No entanto, se considerarmos cada “mico” um crime ambiental, posso fazer valer a expressão que assevera que todo criminoso volta ao local do crime. Então, aqui estou eu, réu confesso de meus próprios “micos”, aguardando o perdão para as minhas próprias faltas, mas “levando” muita gente comigo...

 

            Como definido anteriormente, o “mico”, no contexto ambiental, é, invariavelmente, o efeito da ignorância ecológica ou da mera irreflexão. De modo geral desconhecemos os impactos negativos do nosso viver no meio natural.

 

          Um dia antes de escrever essas linhas, me deparei com um “João graveteiro” estirado em minha garagem. Esse pássaro, parente do João de Barro, compartilha com ele o hábito de produzir ninhos não convencionais (isso é bom, pois na natureza, convenção pode ser um obstáculo à evolução da espécie).  Seus ninhos superpostos são feitos de gravetos secos entrelaçados, nos quais várias famílias vivem por meia estação. Um verdadeiro condomínio vertical!   Infelizmente, o indefeso animal se chocou com um pequeno guarda-corpo de vidro e morreu...de susto. Também pudera. Nossas casas não são elementos naturais pertencentes ao cerrado. São estruturas invasoras, cujas portas, janelas e seus grandes vitrais suspensos são armadilhas mortais para as aves. Imagine quantos pássaros morrem por dia em nossos condomínios pelo mesmo motivo? Uma casa repleta de vidro não é um problema em si, mas traz o efeito contrário de quem deseja uma vida mais natural e um dia sonhou com uma casa de campo salpicada pelas mais variadas aves. Sempre que essa incoerência aparece, ali também se encontra o “mico ambiental”. E a seguir, outro...

            Estamos no período seco do ano. Quando o assunto é irrigação, os “micos” parecem se multiplicar nos dispersores d’água espalhados pelos gramados. Nenhuma variedade de grama exige irrigação diária. E o bom senso preconiza que irrigar nas horas quentes do dia é simplesmente aumentar a umidade do ar por breves instantes, em virtude do maior índice de evaporação. Mas não há “mico” maior do que sistema de irrigação funcionando durante a chuva ou logo após sua precipitação, como presenciei recentemente. Nesse caso, “paga mico” também quem adota uma postura indiferente e não procura meios de alertar ao proprietário do terreno sobre a desregulagem do sistema automático. É também nessa época do ano que alguns moradores cometem a descortesia de atear fogo nas folhas secas e cortes antigos de grama. Trata-se de uma atitude deseducada, cujos efeitos alcançam vasta dimensão. A propriedade dispersiva da fumaça leva o incômodo a inúmeras pessoas, sendo que, em algumas, afeta a saúde ao desencadear reações respiratórias adversas, especialmente em crianças e idosos. Além disso, o efeito visual é desconcertante, as roupas ficam impregnadas com o cheiro desagradável, a casa se enche de fuligem, gera risco de incêndios na mata seca e a relação entre vizinhos fica comprometida. O “mico” ambiental está no desconhecimento de que restos vegetais não são lixo e podem ser convertidos num excelente adubo para as plantas da própria casa,  caso sejam submetidos ao processo de compostagem.   

            Pode parecer mentira, mas ainda hoje há famílias que permitem que suas crianças saiam por aí portando bodoque ou espingarda de chumbinho. Isso não foi ninguém que me contou! Eu mesmo presenciei a discussão na qual uma família defendia a vida e , a outra, o direito das crianças de matar calangos, pois eles estavam no interior de sua propriedade. Nossa!!! Sendo assim, o entregador de pizza, o entregador de gás, o instalador elétrico também correm riscos quando adentram os lares. Outra questão importante é: até onde vai a nossa propriedade? O que nos é verdadeiramente próprio? O grande “mico” se sustenta desse sentimento egocêntrico de propriedade. A água é minha, a luz é minha, o lote é meu, a festa é do meu filho, na minha casa, etc. Numa de minhas aulas, um aluno declarou que sua família não economiza água, pois segundo seu pai eles têm condições de pagar por ela.  Então perguntei: como se pagará por algo que deixa de existir (uma referência à crise mundial de escassez de água potável)? E o calango? Ora, o calango está protegido pela lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 19981 que trata dos crimes ambientais.  O mesmo não se pode dizer de nossas crianças, pois, como diz o jargão -  a palavra convence, mas o exemplo arrasta.

            Em geral, os condomínios dito “fechado”, se organizam muito bem nos aspectos relacionados à  segurança e limpeza, mas as administrações não se dedicam devidamente às questões ambientais. Lembro-me do saudoso ex-síndico do Condomínio Amendoeiras, Inácio P. Fernandes, ao defender a extinção das secretarias municipais de meio ambiente, alegando que todas as secretarias deveriam ter as questões ambientais norteando suas ações. De modo semelhante, acredito que todo condomínio deveria se constituir numa associação de proteção ambiental, pelos motivos que venho apontando nesses artigos. As crianças devem ser iluminadas pela noção de que é impossível isolar o Homem das relações humanas e das influências que recebe e produz no meio em que vive. A felicidade é um somatório de aspectos da vida cotidiana, profundamente inter-relacionado e que, por isso, se assemelha a um quebra-cabeça.  O modo mais fácil de montar o quebra-cabeça é começar pela moldura, e no contexto dessas reflexões, a moldura chama-se educação ambiental. Somente por meio dela os “micos” serão apenas micos.

           

1Seção I .Dos Crimes contra a Fauna - Art. 29.  Matar,  perseguir,  caçar,  apanhar,  utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão,  licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida:   Pena - detenção de seis meses a um ano, e multa.  

 

Vinícius Trindade Lopes de Moura

Biólogo e educador ambiental

Âncora 1
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